"Como dois e dois são quatro/Sei que a vida vale a pena/Embora o pão seja caro/E a liberdade pequena" (Ferreira Gullar)
Landro Oviedo
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UM LIVRO E UMA HISTÓRIA NEGRA
Este ano de 1999 evoca duas datas emblemáticas para a causa da luta contra a discriminação racial, particularmente para os negros. Primeiramente, fez exatamente 90 anos que Lima Barreto, o grande escritor dos excluídos dos subúrbios cariocas, publicou "Recordações do Escrivão Isaías Caminha" em 1909. Outra referência são os 30 anos da morte de João Cândido, o Almirante Negro, herói da Revolta da Chibata, morto em 1969.

Com a ficção, Lima Barreto veiculou através da literatura o drama do racismo, comum aos brasileiros negros de então e de hoje. Isaías Caminha vai para o Rio de Janeiro confiante de que a ilustração arduamente adquirida lhe garantirá um lugar ao sol. Aos poucos, vai apercebendo-se de que carrega consigo um pecado original: a cor de sua pele. Ela é um rótulo que não se despega, um juízo de valor a priori, um recrutamento forçado para o rol dos perdedores. Do sonho de ser doutor vai à resignação com o cargo de contínuo na redação de um jornal.

É de notar que, em nenhum momento, a consciência do escritor, apurada para as questões sociais, priva sua personagem do aprendizado individual. Na rede de sua vida, os acontecimentos se sucedem até que seu próprio aclaramento, a epifania, lhe dá a medida exata do seu drama e de suas possibilidades na arena da vida. Nem mesmo quando ele consegue, por uma fatalidade, ascensão social e profissional, deixa de trazer uma amargura aos lábios, pois vê-se julgado e condenado à revelia pelo preconceito, que já lhe embotou as asas dos sonhos.

A realidade foi a matéria-prima da obra de João Cândido. Negro, ex-escravo, analfabeto, virou o Almirante Negro ao comandar uma esquadra contra a elite da Marinha em 1910, exigindo o fim do uso da chibata contra os marinheiros. Traído pelo governo de Hermes da Fonseca, foi preso e excluído da Marinha, que haveria de persegui-lo implacavelmente pelo resto de sua vida. Honrarias, pensões, homenagens lhe seriam freqüentemente sustadas. Seu exemplo, contudo, não foi em vão, e seu legado seria afluente do patrimônio comum das lutas pela cidadania.

Por suas obras, Lima Barreto e João Cândido, cada um a seu modo, são também criadores do nosso tempo. Sem eles, o Brasil seria ainda mais socialmente injusto.



PORTO ALEGRE, QUINTA-FEIRA, 16 DE DEZEMBRO DE 1999.
Correio do Povo
Porto Alegre-RS
Brasil



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(Curso de Português)

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Landro Oviedo
Enviado por Landro Oviedo em 06/03/2012
Alterado em 10/03/2012
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