"Como dois e dois são quatro/Sei que a vida vale a pena/Embora o pão seja caro/E a liberdade pequena" (Ferreira Gullar)
Landro Oviedo
"Somente buscando palavras é que se encontram pensamentos" (Joseph Joubert)
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Textos
          A POLISSEMIA DO “BAH”

     Em matéria de linguagem, temos, em certa gradação, idioma, língua, dialeto e idioleto. O idioma é a matriz de determinado código linguístico, como, no de matriz lusitana, no seu surgimento em Portugal na Península Ibérica. Já a língua é a realização particular desse idioma em outros lugares, como no Brasil, Angola, Moçambique e em outros países onde os lusitanos aportaram para colonizar. Por sua vez, os dialetos são a regionalização da língua, mantendo a sintaxe, mas incorporando os ditos e vocábulos locais. Em derradeiro, o idioleto diz respeito à forma de cada falante se expressar dentro de uma comunidade linguística marcada por uma unidade formal de expressão. Se ele fala ciciando, por exemplo, já teremos aí uma idiossincrasia idiolética. (Talvez alguns pensem: “Por que o professor escreve 'tão difícil?'”. Ocorre, meus amigos e amigas, que determinadas palavras não gostam que outras falem por elas porque são únicas.)
     Em sendo assim, a semântica, que é o significado das palavras, vai ter um amplo espaço para crescer em torno de uma sintaxe. Ela depende da riqueza da linguagem e é uma autêntica expressão de suas possibilidades de incremento e diversificação. Na sua esteira, temos a sinonímia (significados diferentes), a antonímia (significados contrários), a paronímia (palavras parecidas com significados diferentes) e a homonímia (palavras com escrita ou pronúncia iguais e significados distintos). Se na homonímia tivermos, num vocábulo, escrita e pronúncia iguais, temos um caso de homônimos perfeitos e, então, de polissemia (porca – animal, porca – peça de ferro).
     Pois bem, nosso artigo vai enfocar a polissemia a partir de uma tira do ilustrador e quadrinista Sávio Moura, meu colega do jornal Correio do Povo, de Porto Alegre-RS. O título já indica que se trata da palavra “Bah”, magistralmente explorada por ele na tira que acompanha este texto. Trata-se de uma sequência em que o personagem Virso, da série “É dura a vida no campo”, toma um mate ou chimarrão, denominações equivalentes no Rio Grande do Sul.
     Antes de mais nada, é preciso dizer que “Bah” e “Tchê” têm empregos bem diferenciados, não obstante serem correntes no linguajar regional e de amplo emprego pelos falantes em situações de informalidade. O primeiro é interjeição, portanto, expressando estados emotivos do emissor, e o segundo é vocativo, sendo, por conseguinte, uma forma de se dirigir diretamente ao interlocutor.
     Em sendo assim, podemos observar e atribuir diversos sentidos aos “Bahs” do Virso nas tiras e, também, ao da sua namorada no final, a Juracema, que emite um “Bah” plurissignificativo ao final, mas que todos os gaúchos compreendem muito bem.
     Mas por que a tira é uma “tirada” genial? Porque ela expressa uma realidade do dia a dia. Se um gaúcho (ou gaúcha, leia-se sempre assim também) fica triste com alguma coisa, ele diz... “Bah!”. Se fica alegre, ele diz... “Bah!”. Se fica agastado, ele diz... “Bah!”. Se fica com raiva, ele diz... “Bah!”. Se fica extasiado com algo, ele diz... “Bah!”. Se é pego de surpresa por alguma coisa ou alguém, ele diz... “Bah!”. Se algo lhe causa medo ou susto, ele diz... “Bah!”. Se ele ler este artigo e não gostar, ele diz... “Bah!”. 
     Nas tiras em tela, literal e visualmente, vamos ver o Virso usando “Bah” para expressar as sensações que o chimarrão lhe provoca. No seu primeiro quadro, vemo-lo com a alegria de ter o mate servido na mão e ele diz... “Bah!”. No segundo, ele está numa expectativa promissora de sorver um gole de um chimarrão a capricho e ele diz... “Bah!”. No terceiro, ele percebe que há alguma coisa diferente do esperado e ele diz... “Bah!”. No quarto, ele vê que o mate está quente de “pelar o porco”, se queima, e diz... “Bah!”. No último, indagada por Dona Palometa sobre o mate que serviu ao Virso, Juracema diz... “Bah!”, que equivale a “nem te conto”, uma expressão digna da função fática da linguagem.
     O termo “Bah” é um reincidente contumaz no léxico dos gaúchos. Salvo melhor juízo, deve funcionar como o “trem” dos mineiros, ainda que este esteja mais para substantivo que para interjeição. Com a mesma escrita e pronúncia, os significados diferenciados surgem por conta do contexto e, principalmente, da entonação. O velho, bom e atual “Bah!” é de multiuso, tal quais aqueles vinhos que tomamos para celebrar as alegrias, para espantar as tristezas, para mitigar as saudades ou para sentir a embriaguez que nos enleva. Eis aqui uma palavra que só se compreende bem quando o contexto fala mais que o texto nas entrelinhas.


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Landro Oviedo
Enviado por Landro Oviedo em 21/05/2018
Alterado em 22/05/2018
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