OAB x POLÍCIA MILITAR x TORTURA. Por vezes, tomamos atitudes inesperadas até para nós mesmos. Por volta da meia-noite desta terça-feira, estava indo para meu escritório para terminar uma petição (quem corre por gosto não cansa nem escolhe horário) quando resolvi fazer um lanche num pé-sujo que tem ali perto, no Centro, em Porto Alegre. Quando passo por uma unidade da Polícia Militar, vejo um detido sendo espancado, indefeso e subjugado. Um PM lhe deu uma cadeirada e em seguida ele caiu e foi acossado por chutes e socos por uns outros cinco ou seis. Aquilo me causou revolta, embora considerando que aquela pessoa possa ter feito algo nada edificante para estar ali.
Ato contínuo, parei em frente ao prédio e fiquei com a mão estendida segurando minha carteira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), num gesto quixotesco. Os PMs interromperam o espancamento e vieram me interpelar, sendo o sargento comandante da unidade o mais exaltado, que ameaçou me prender por desacato. Já alguns PMs argumentaram comigo, outros só olharam e um tentou apaniguar os ânimos, coisa com o que concordei, não sem antes dizer ao sargento que não aceitava aquele "vai", tipo "vaza", dele. Ele ainda me perguntou se eu achava que a carteira da OAB valia alguma coisa. Disse que sim, que pra mim valia muito. Pode até não valer tudo o que penso, mas eu fiz um juramento quando a recebi, nestes termos:
Prometo exercer a advocacia com dignidade e independência, observar a ética, os deveres e prerrogativas profissionais e defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático, os direitos humanos, a justiça social, a boa aplicação das leis, a rápida administração da Justiça e o aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas”
Com o PM mais calmo, que estava mais solícito, acertamos que ficaria tudo bem. Em seguida, vi o "anjinho" ser solto. Não sei se ele não era algum "chinelo" desses que podem colocar em risco nossos conceitos de classe média com algum roubo, furto ou latrocínio. Contudo, até os chinelos devem ser calçados no passo certo.
Saí dali, fui comer o meu lanche. Fui cumprimentado por alguns jovens, que acharam o máximo o que fiz, pois já tinham visto o rapaz levar uns sopapos e ser arrastado. Disse-lhes que não era nada demais, apenas um imperativo de consciência. Acabei mudando o foco, que estava na petição da velhinha acossada por multas injustas do condomínio. Vou retomá-lo. Não sem antes escrever este texto. Não tenho nada contra a Polícia Militar gaúcha (nada palpável), mas acho que ela não deve ter nada a meu favor. Não seria do meu agrado.
Enfim, estamos sujeitos a essas coisas. Lutamos contra uma ditadura militar, mas ela parece ter deixado um vírus resistente inoculado no império dessa democracia de fachada. Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três ou mais. Cacetadas. E os pobres cada vez mais na crônica policial e os ricos nas colunas sociais. É o que temos para mais este momento do Brasil.
P.S.: Cheguei a temer que tivesse de pedir uma segunda via da minha carteira da OAB.