Na data de 7 de novembro de 2014, o juiz de Direito Dr. Thiago Dias da Cunha, da Vara Cível da Comarca de Itaqui, condenou os réus Francisca Regina Sasso, ex-secretária municipal da Saúde, e José Silas Dubal Goulart, ex-prefeito municipal, a carrearem valores para os cofres públicos do município. O montante se deve a quantias recebidas pela ré indevidamente por conta da chamada Lei de Auxílios, criada para ajudar pessoas carentes, bem como por multa a ela aplicada no valor de três vezes o dano financeiro. A ação civil pública 054/1.08.0000002-1 foi promovida inicialmente pelo Ministério Público, tendo recebido posteriormente a adesão do município de Itaqui e do Estado do Rio Grande do Sul. O ex-prefeito José Silas Dubal Goulart foi condenado solidariamente por ser o ordenador das despesas e teve imposta multa no valor de duas vezes o dano patrimonial constatado.
Além da penalidade recebida, a demandada Francisca Regina Sasso teve suspensa sua capacidade eleitoral passiva (não poderá ser votada) e não poderá exercer cargos em comissão, funções gratificadas ou funções de confiança na Administração Pública, direta ou indireta, de qualquer dos Poderes, pelo prazo de oito anos. Ainda cabe apelação da decisão de primeira instância, recurso que deverá ser encaminhado ao Tribunal de Justiça do RS.
Segue abaixo a íntegra da sentença.
Comarca de Itaqui
1ª Vara
Rua Vereador Doutor João Dubal Goulart, 864
_________________________________________________________________________
Processo nº: |
054/1.08.0000002-1 (CNJ:.0000021-71.2008.8.21.0054) |
Natureza: |
Ação Civil Pública |
Autor: |
Ministério Público Município de Itaqui Estado do Rio Grande do Sul |
Réu: |
Francisca Regina Sasso José Silas Dubal Goulart |
Juiz Prolator: |
Juiz de Direito - Dr. Thiago Dias da Cunha |
Data: |
07/11/2014 |
Vistos.
Vistos.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL promoveu a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE em desfavor de FRANCISCA REGINA SASSO e JOSÉ SILAS DUBAL GOULART.
O Órgão Ministerial aduz, em síntese, que FRANCISCA REGINA SASSO recebeu auxílios financeiros previstos na Lei Municipal nº 2.147/1995, chamada “Lei dos Auxílio”, tendo como ordenador de despesa JOSÉ SILAS DUBAL GOULART.
A exordial relata, ainda, que FRANCISCA teria acumulado ilicitamente cargos públicos. FRANCISCA teria exercido, concomitantemente, um cargo de professor no Estado do Rio Grande do Sul com cargo em comissão padrão CC-06 no Município de Itaqui.
Posteriormente (em abril de 2003), assumiu o cargo de Secretária Municipal de Saúde de Itaqui e tomou posse em outro cargo de professor no Estado do Rio Grande do Sul (maio de 2003). Desse modo, teria exercido, ao mesmo tempo, três cargos públicos.
Em razão desses fatos, o MINISTÉRIO PÚBLICO requereu a condenação do réu JOSÉ SILAS DUBAL GOULART nas sanções do art. 12, incisos II e III da Lei nº 8.429/92; bem como a condenação da ré FRANCISCA REGINA SASSO nas penas do art. 12, incisos I e III, da Lei nº 8.429/92.
A inicial veio instruída com os documentos de fls. 25-424.
Regularmente notificados (fls. 479 e 481v), os réus apresentaram manifestação (fls. 484-575 e 576-592).
À fl. 594, foi recebida a inicial e determinada a citação.
Regularmente citados (fl. 602v e 607), os réus apresentaram contestação (fls. 604-605 e 617-688).
O autor apresentou réplica, que foi encartada às fls. 690-694.
Intimadas em provas, as partes juntaram rol de testemunhas (do MP às fls. 696-697 e da ré FRANCISCA às fls. 700-702).
O despacho de fl. 710 incluiu o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL e o MUNICÍPIO DE ITAQUI no polo ativo da ação.
O despacho de fl. 716 entendeu pela desnecessidade de prova oral e determinou, após a intimação das partes, a conclusão dos autos para sentença.
Dessa decisão, o MINISTÉRIO PÚBLICO AGRAVOU, na forma retida (fls. 717-722).
Intimados (fl. 724) os réus não apresentaram resposta.
À fl. 728, reconsiderou-se o despacho de fl. 716, reabrindo prazo para as partes indicarem as provas que pretendiam produzir.
Foram ratificadas as anteriores indicações de testemunhas.
Após isso, foi designada audiência para o dia 11/07/2013 (fl 737).
A audiência foi cancelada a requerimento da ré FRANCISCA (fl. 756) e posteriormente aprazada para 22/01/2014 (fl. 760).
A solenidade novamente foi cancelada por não ter sido informado o endereço do requerido (fl. 779).
O feito foi novamente incluído em pauta, mas a solenidade não pode ser realizada por falta de pauta do magistrado que atuava em substituição.
É O RELATO EM APERTADA SÍNTESE.
PASSO A DECIDIR.
Observo que o caso preenche perfeitamente os requisitos inscritos no art. 330, I, do CPC, para que faça o julgamento antecipado da lide.
Ora, não há verdadeira controvérsia fática no autos. A ré FRANCISCA admite que recebeu benefícios com base na “Lei de Auxílio”, bem como que exerceu cargos públicas de forma cumulada.
De igual maneira, o réu JOSÉ SILAS também admite que foram pagos benefícios previstos na “Lei de Auxílios” para a ré FRANCISCA e para outras pessoas, independentemente da classe social.
A controvérsia, portanto, cinge-se exclusivamente às consequências jurídicas daí advindas.
Para o Ministério Público, são atos improbos. Para os réus, são atos legítimos ou que não maculam a moralidade administrativa.
De outra sorte, mesmo na mínima parte controversa, que seriam alguns “auxílios”, que a ré FRANCISCA afirma que não recebeu, que foram estornados ou recebidos em razão do desempenho das funções exercidas no Município, tenho que já estão provados por documento.
Sobre o tema, assim dispõe o CPC:
Art. 400. A prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso. O juiz indeferirá a inquirição de testemunhas sobre fatos: I - já provados por documento ou confissão da parte; (grifei)
Deste modo, fica claro que a produção de prova oral, quando já há documentos ou confissão para comprovação dos fatos debatidos (no caso dos autos há ambos), não só é desaconselhável como proibida.
PRELIMINARES
A petição inicial não é inepta, visto que não incide em nenhuma das hipóteses previstas no art. 295, parágrafo único do CPC:
Considera-se inepta a petição inicial quando:
I - lhe faltar pedido ou causa de pedir;
II - da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão;
III - o pedido for juridicamente impossível;
IV - contiver pedidos incompatíveis entre si.
Não prospera, também, a alegação de prescrição.
Bem andou o MINISTÉRIO PÚBLICO ao citar, n réplica, o art. 23, I, daLei de Improbidade, segundo o qual “as ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança”.
No caso em testilha, restou incontroverso que o cargo de secretária municipal foi exercido até fevereiro de 2004 (fl. 496), não havendo transcorrido mais de cinco anos até o ajuizamento da ação em 2008.
Não há que se falar na inconstitucionalidade formal da Lei de Improbidade, tendo em vista que o Supremo Tribunal Federal já decidiu o mérito da ação mencionada na contestação do réu JOSÉ SILAS, como se vê:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. 1. QUESTÃO DE ORDEM: PEDIDO ÚNICO DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DE LEI. IMPOSSIBILIDADE DE EXAMINAR A CONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. 2. MÉRITO: ART. 65 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DA LEI 8.429/1992 (LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA): INEXISTÊNCIA. 1. Questão de ordem resolvida no sentido da impossibilidade de se examinar a constitucionalidade material dos dispositivos da Lei 8.429/1992 dada a circunstância de o pedido da ação direta de inconstitucionalidade se limitar única e exclusivamente à declaração de inconstitucionalidade formal da lei, sem qualquer argumentação relativa a eventuais vícios materiais de constitucionalidade da norma. 2. Iniciado o projeto de lei na Câmara de Deputados, cabia a esta o encaminhamento à sanção do Presidente da República depois de examinada a emenda apresentada pelo Senado da República. O substitutivo aprovado no Senado da República, atuando como Casa revisora, não caracterizou novo projeto de lei a exigir uma segunda revisão. 3. Ação direta de inconstitucionalidade improcedente.
(ADI 2182, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 12/05/2010, DJe-168 DIVULG 09-09-2010 PUBLIC 10-09-2010 EMENT VOL-02414-01 PP-00129 RTJ VOL-00218- PP-00060)
De outra sorte, há muito já se encontra superada a controvérsia sobre a possibilidade de prefeitos responderem por ato de improbidade.
A jurisprudência já está consolidada no sentido de que os chefes dos executivos municipais respondem, sim, pela prática de ato de improbidade administrativa.
A título de exemplo, colaciono os seguintes arestos:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PREFEITO MUNICIPAL. DÉCIMO-TERCEIRO SUBSÍDIO. RESSARCIMENTO POR INCONSTITUCIONALIDADE E AUSÊNCIA DE LEI ESPECÍFICA. PRELIMINARES. 1. PRELIMINARES 1.1 - Não conhecimento das preliminares. Merecem conhecimento as preliminares que, embora só arguidas na apelação, dizem com temas que podem ser suscitados em qualquer fase do processo, inclusive devem ser analisados ex officio. 1.2 - Incompetência do juízo de 1º Grau. O Prefeito Municipal não tem, por prerrogativa de função, direito de ser julgado originariamente pelo Tribunal de Justiça, pois o art. 29, X, da CF, se refere apenas à matéria criminal, e o § 2º do art. 84 do CPP, na redação da Lei 10.628-02, foi julgado inconstitucional pelo STF. 1.3 - Inaplicabilidade da Lei 8.429/92 aos agentes políticos. Os agentes políticos estão sob a égide da Lei 8.429/92. A expressão agente público, constante do art. 37, § 4º, da CF, é gênero do qual são espécie os agentes políticos. Ademais, o art. 1º da Lei 8.429/92 refere agente público de qualquer dos Poderes, isto é, abrange os próprios integrantes. A decisão do STF na Reclamação nº 2138-6 versou tão-só a respeito da competência para suspender direitos políticos de Ministro de Estado, isso tendo em conta o disposto no art. 102, I, "c", da CF. Não tem, pois, repercussão alguma que não relativamente a processos em que figurem Ministros de Estado e as demais pessoas enumeradas no dispositivo Constitucional. Resumindo: se, no âmbito das infrações penais e dos crimes de responsabilidade, a competência para tanto é privativa do STF, por lógica também o é à suspensão dos direitos políticos prevista na Lei Anti-Improbidade Administrativa. Por isso mesmo é dito que eles não se submetem ao modelo de competência da Lei 8.429/92. 2. MÉRITO 2.1 – Possibilidade constitucional. O art. 39, § 3º, da CF, estende aos servidores públicos ocupante se cargos públicos diversos direitos sociais previstos no art. 7º, dentre eles o do inciso VIII (13º subsídio). Por sua vez, o art. 39, § 4º, da CF (que define o subsídio como parcela única, excluída toda outra espécie remuneratória), quando ordena seja observado o art. 37, XI (que define o teto remuneratório como remuneração mensal, nele incluindo as vantagens pessoais e as de qualquer outra natureza), leva à conclusão de que o veto a acréscimo ao subsídio se restringe às espécies remuneratórias recebidas mensalmente, isto é, em caráter ordinário e que tem como vertente direta a função ou o tempo de serviço, como são os adicionais, e o serviço ou o servidor, como são as gratificações. Não há, pois, veto constitucional a que os agentes políticos, como servidores públicos lato sensu (CF, art. 39, § 3º), recebam férias, com o acréscimo de pelo menos 1/3, e o denominado 13º salário (rectius, subsídio). São direitos autônomos, é dizer, não têm como vertente direta o tempo de serviço ou a função, nem o serConsiderando que tais direitos se acham garantidos pela Carta Magna, em normas auto-aplicáveis, independem de lei específica. 3. DISPOSITIVO Preliminares conhecidas e rejeitadas e, no mérito, apelação provida. (Apelação Cível Nº 70054478532, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Irineu Mariani, Julgado em 09/07/2014) (grifei)
APELAÇÃO. AGRAVO RETIDO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AGENTES POLÍTICOS MUNICIPAIS. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA LEI N. 8.429/1992. - Os agentes políticos municipais se submetem à Lei 8.429/1992, inexistindo qualquer antinomia entre seu regime de responsabilização e o do Decreto-Lei 201/1967, uma vez que se trata de esferas independentes. Inaplicabilidade do entendimento da Reclamação n. 2.138/DF, em que o Supremo Tribunal Federal tão somente salientou que aos agentes políticos detentores de prerrogativa de foro prevista no art. 102, I, "c", da Constituição não seria possível a cumulação de dois regimes de responsabilidade político-administrativa. Excetuados aqueles submetidos ao regime especial de responsabilidade da Lei n. 1.079/1950 (Presidente da República, Ministros de Estado, Ministros do Supremo Tribunal Federal e Procurador-Geral da República), mostra-se viável a aplicação da Lei nº 8.429/92 aos agentes políticos. Precedentes do STJ e do STF.LEI Nº 8.429/92. CONSTITUCIONALIDADE. - Inexistência de inconstitucionalidade formal ou material da Lei nº 8.429/92. Precedentes desta Corte e do STF. SUSPENSÃO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM RAZAO DO AJUIZAMENTO DE AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. - Diante da independência das esferas de responsabilização, mostra-se indevido o sobrestamento da ação civil pública em virtude do ajuizamento de ação penal sobre os mesmos fatos, sobretudo porque não alegada sua inexistência material. Inteligência dos arts. 110 do CPC, 66 e 67 do CPP. LITICONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. INOCORRÊNCIA - Inexiste litisconsórcio necessário entre o agente público e os terceiros beneficiados ou que tenham concorrido com o ato ímprobo, por não estarem presentes nenhuma das hipóteses previstas no art. 47 do CPC (disposição legal ou relação jurídica unitária). Precedentes do STJ e desta Corte. Hipótese em que, ademais, a ação deimprobidade se baseia no dolo do ex-Prefeito réu em induzir os Vereadores Municipais em erro. ART. 11 DA LEI N. 8.429/92. ATOS DE IMPROBIDADE PELA INOBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. - Mostra-se devida a manutenção da condenação do réu ex-Prefeito como incurso no art. 11, I, da Lei n. 8.429/92, aplicando-se as sanções previstas por seu art. 12, III, em razão do encaminhamento de projetos de lei à Câmara de Vereadores visando ao custeio do IV Fórum de Juventude Políticas do MERCOSUL, sem esclarecer que se tratava de evento organizado pela juventude do Partido dos Trabalhadores, com caráter nitidamente ideológico e partidário. Violação dos princípios da moralidade, imparcialidade, legalidade, lealdade às instituições, configuração do desvio de finalidade apto a ensejar a caracterização de ato de improbidade. PRELIMINARES REJEITADAS. AGRAVO RETIDO DESPROVIDO. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70058271883, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justi27/02/2014) (grifei)
Vencidas as preliminares, passo a análise do mérito.
DA CONDUTA DA RÉ FRANCISCA REGINA SASSO
A Constituição da República, documento fundante de nosso Estado Democrático de Direito, estabeleceu as diretrizes da assistência social a ser prestada pelo Estado.
Assim dispõe o art. 203 da CRFB/88:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III - a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Pelas diretrizes acima postas, fica claro que, diferentes da educação e da saúde, que de fato são universais e devem ser prestadas a qualquer pessoa, a assistência social atenderá grupos especialmente vulneráveis, que realmente precisam do auxílio estatal para ter garantido o mínimo existencial.
Não faz qualquer sentido e não está de acordo com a ordem constitucional vigente – que deve ser seguida por todos os entes da federação – uma política pública de assistencial social que atenda qualquer pessoa independentemente de suas posses e de sua renda.
A assistência social é para os necessitados.
No caso destes autos, a ré FRANCISCA REGINA SASSO, de maneira alguma, pode ser considerada necessitada para os fins visados pela norma constitucional acima colacionada.
Mesmo antes de assumir o cargo de Secretária Municipal, a referida ré estava muito longe de ser considerada uma desvalida e necessitada para receber amparo governamental de assistência social. À época dos primeiros pagamentos, já era ocupante de cargo público estadual, possuía nível superior e renda muito superior à média da população para a época.
Como consta à fl. 9, o autor dá conta de que apenas em 2001 a ré teve rendimentos de R$ 16.317,08 – em relação a cargo público que exercia desde 1990. Lembre-se que neste mesmo ano o salário mínimo era de apenas R$ 180,00.
Assim, fica flagrante que o recebimento de benefício de assistência social por pessoa nas condições da ré viola flagrantemente a moralidade administrativa.
Contudo, não são todos os valores declinados na inicial que foram recebidos com base na “Lei de Auxílios”. A ré FRANCIS REGINA logrou comprovar que alguns recebimentos foram decorrentes de diárias e passagens em razão de compromissos no regular desempenho do cargo de Secretária Municipal.
Assim, com exceção dos R$ 630,00 recebidos em 15/07/2003 (que a própria ré confessa que percebeu com base na “Lei de Auxílios”), todos os demais pagos a ré FRANCISCA em 2013 foram devidamente justificados, como se depreende das fls. 316-319 e 496-498.
O mesmo não se pode dizer dos valores recebidos nos exercícios anteriores.
Em relação às quantias recebidas nos exercícios de 2000 e 2002 (R$ 79,64 em 22/07/2000; R$ 300,00, em 22/07/2000; R$ 79,64, em 08/08/2000 e R$ 190,00, em 19/09/2002), a demandada FRANCISCA limitou-se a falar que “inexiste o comprovante de pagamento de tal auxílio”.
Contudo, tal informação não procede. Além de não ter negado o recebimento (falar que não foi juntado o comprovante de pagamento é bem diferente de dizer que não recebeu), os documentos oriundos do próprio Município de Itaqui – em relação aos quais milita presunção de veracidade – são em sentido diverso, como pode ser conferido às fls. 303 e 316-319, que afirmam que as quantias acima discriminadas foram efetivamente pagas.
Portanto, o autor logrou comprovar que a ré FRANCISCA rebebeu indevidamente do Município de Itaqui o montante total: R$ 1279,28 (um mil, duzentos e setenta e nove reais e vinte e oito centavos).
No que toca à acumulação indevida de cargos, também merece reprimenda a conduta da ré FRANCISCA.
Com efeito, a mera acumulação de cargos públicos, por si só, não configura ato de improbidade administrativa.
O caso dos autos, porém, ultrapassa a mera acumulação.
A ré FRANCISCA chegou a receber concomitantemente a remuneração de TRÊS CARGOS PÚBLICOS, sendo dois de professor e um de Secretário Municipal. Contudo, pelo que extrai da própria manifestação da ré FRANCISCA (fls. 501-502), ela jamais chegou a cumprir, juntamente com o cargo de Secretária Municipal, mais 40 horas semanais (20 horas para cada cargo de professor cuja remuneração foi efetivamente recebida).
Além disso, os controles de frequência apresentados pela ré FRANCISCA não são idôneos. A título de exemplo, no dia 06/08/2003 ela assinou normalmente o controle de ponto como se houvesse laborado na Escola Professora Odila Villordo de Moraes (fl. 560). Contudo, no mesmo dia ela teria comparecido a compromisso em Porto Alegre relacionado ao Programa Sorrindo para o Futuro e para tanto teria recebido passagens e diária – como se depreende da parte final de fl. 317.
Resta inequívoco, ainda, o dolo das condutas.
Mesmo sabendo da limitação constitucional (a ninguém é dado arguir o desconhecimento da lei), a ré FRANCISCA deliberadamente acumulou três cargos públicos, recebendo remuneração pelos três. Além disso, ela mesmo requereu auxílios do Município para pagamento de gastos que ela poderia adimplir, sem maiores problemas, com a própria renda.
Assim, os fatos articulados pelo Ministério Público em relação a ré FRANCISCA configuram ato de improbidade que importa enriquecimento ilícito (art. 9º, da Lei nº 8.429/92), pelo que incide a ré nas sanções previstas no art. 12, I, da Lei nº 8.429/92.
JOSÉ SILAS DUBAL GOULART
O réu JOSÉ SILAS, na qualidade de ordenador de despesa, permitiu que pessoa que notoriamente não era necessitada recebesse benefícios de assistência social do Município de Itaqui.
Ressalte-se que o “auxílio” de R$ 630,00, cujo recebimento foi confessado pela ré FRANCISCA, foi concedido quando esta já era Secretária Municipal, por isso mesmo, integrante do primeiro escalão do Poder Executivo Municipal e muito longe de ostentar a qualidade de necessitada para os fins de qualquer lei de assistência social.
Segundo o art. 3º da Lei Municipal nº 2.147/1995:
“Entendem-se por necessitados, beneficiários da política de assistência social do Município:
I – os indigentes, pessoas ou grupo familiar sem rendimentos do trabalho ou de capital ou desprovidos de meios financeiros suficientes para prover as necessidades básicas de moradia, alimentação, educação, saúde, vestuário, higiene e transporte;
II – carentes as pessoas ou grupos familiares com renda insuficiente para atender uma ou mais das necessidades básicas referidas no inciso anterior;
III – outros, pessoas ou grupo familiar que, em virtude de circunstâncias especiais, como enfermidades ou infortúnios, tenham reduzidas suas possibilidades de atendimento a uma ou mais necessidades básicas referidas.”
Contudo, nada consta às fls. 191-196 (documentos referentes ao auxílio de R$ 630,00 para tratamento dentário) para justificar que uma integrante do primeiro escalão do Poder Executivo do Município de Itaqui estivesse com reduzida possibilidade de custear tratamento dentário.
O dolo fica patente, pois o réu JOSÉ SILAS conhecia a ré FRANCISCA, a quem nomeara para cargo de confiança, e sabia que ela não possuía o requisito básico – ser pessoa necessitada – para receber benefícios de assistência social.
Por isso, também merece reprimenda a conduta do réu JOSÉ SILAS.
Assim agindo, o réu JOSÉ SILAS cometeu ato de improbidade administrativa descrito no art. 12, I, da Lei nº 8.429/92, aplicando-se as sanções do art. 12, II, da Lei nº 8.429/92.
De outro lado, não imputação nem provas da participação do réu JOSÉ SILAS na acumulação indevida de cargos da ré FRANCISCA.
DOSIMETRIA DAS SANÇÕES
Nos termos do art. 12 da Lei nº 8.429/92, as sanções ali previstas serão aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato. Isso decorre da imperativa aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Quanto à ré FRANCISCA, há a imputação de duas condutas improbas (recebimento indevido de benefício de assistência social e acumulação de três cargos públicos), sendo que ambas importaram em enriquecimento ilícito.
O prejuízo comprovado ao erário, sem atualização, foi de R$ 1.279,28 (um mil, duzentos e setenta e nove reais e vinte e oito centavos).
Com relação à suspensão dos direitos políticos (no entendimento deste subscritor, a mais dura entre as penalidades previstas), deve-se ter prudência na aplicação.
Isso porque o indivíduo fica desprovido do exercício de muitas prerrogativas decorrentes da sua condição de cidadão. Quem não é cidadão, sequer pode ocupar cargo público.
No caso dos autos, a rigor, a suspensão dos direitos políticos, além de atingir a capacidade eleitoral ativa e passiva, impediria a ré FRANCISCA de exercer os dois cargos de professor, em relação aos quais não se tem notícia que tenha conseguido por meios ilícitos.
Assim sendo, a penalidade seria desproporcional, portanto injusta.
Por isso mesmo, entendo que, para adequação completa das sanções previstas na Lei de Improbidade aos ditames constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade, é possível aplicar suspensão parcial dos direitos políticos, que atingiria apenas alguns atributos da cidadania, de modo a tornar a pena razoável e proporcional – portanto justa.
Na situação presente, entendo que seria razoável e proporcional retirar, dentro dos prazos previstos no art. 12, I, da Lei de Improbidade, apenas a capacidade eleitoral passiva da ré FRANCISCA e proibi-la de exercer cargos em comissão ou funções de confiança na Administração Pública.
Assim, aplico à ré FRANCISCA as seguintes sanções:
1 – ressarcimento integral do dano, devendo devolver ao Município de Itaqui a quantia de R$ 1.279,28 (um mil, duzentos e setenta e nove reais e vinte e oito centavos), mais atualização monetária e juros de mora;
2 – multa civil equivalente a três vezes o valor percebido ilicitamente, quantificada em R$ 3.837,84 (três mil, oitocentos e trinta e sete reais e oitenta e quatro centavos), mais atualização monetária a partir da presente data;
3 – suspensão da capacidade eleitoral passiva e proibição de exercer cargos em comissão, funções gratificadas ou funções de confiança na Administração Pública, direta ou indireta de qualquer dos Poderes, pelo prazo de 8 (oito) anos.
Quanto ao réu JOSÉ SILAS, foi o ordenador de despesa de todos os auxílios recebidos indevidamente pela ré FRANCISCA. Assim, deve responder solidariamente com a ré FRANCISCA pelo ressarcimento ao erário da quantia de R$ 1.279,28 (um mil, duzentos e setenta e nove reais e vinte e oito centavos), com atualização monetária e juros de mora, sem prejuízo da multa civil prevista art. 12, II, da Lei de Improbidade.
Desta forma, aplico ao réu JOSÉ SILAS as seguintes penalidades:
1 – ressarcimento integral do dano, devendo devolver ao Município de Itaqui a quantia de R$ 1.279,28 (um mil, duzentos e setenta e nove reais e vinte e oito centavos), acrescida de atualização monetária e juros de mora, solidariamente com a ré FRANCISCA;
2 – multa civil equivalente a duas vezes o valor percebido ilicitamente, quantificada em R$ 2.558,56 (dois mil, quinhentos e cinquenta e oito reais e cinquenta e seis centavos), mais atualização monetária a partir da presente data.
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido, com resolução de mérito, nos termos do art. 269, I, do CPC, para:
a) CONDENAR os réus, solidariamente, ao ressarcimento integral do dano, devendo devolver ao Município de Itaqui a quantia de R$ 1.279,28 (um mil, duzentos e setenta e nove reais e vinte e oito centavos), com correção monetária a contar da data dos pagamentos efetuados pelo Município de Itaqui e juros de mora a partir da citação;
b) CONDENAR a ré FRANCISCA REGINA SASSO ao pagamento de multa civil equivalente a três vezes o valor recebido ilicitamente, quantificada em R$ 3.837,84 (três mil, oitocentos e trinta e sete reais e oitenta e quatro centavos), mais atualização monetária a partir da presente data;
c) SUSPENDER a capacidade eleitoral passiva da ré FRANCISCA REGINA SASSO, bem como PROIBI-LA de exercer cargos em comissão, funções gratificadas ou funções de confiança na Administração Pública, direta ou indireta de qualquer dos Poderes, pelo prazo de 8 (oito) anos;
d) CONDENAR o réu JOSÉ SILAS DUBAL GOULART ao pagamento de multa civil equivalente a duas vezes o valor do dano, quantificada em R$ 2.558,56 (dois mil, quinhentos e cinquenta e oito reais e cinquenta e seis centavos), mais atualização monetária a partir da presente data.
Condeno os réus, ainda, nas custas processuais, na proporção de metade para cada.
Sem condenação em honorários, tendo em vista a qualidade do autor da ação e o fato de que, em caso de improcedência, os réus não fariam jus a haver honorários de sucumbência do vencido.
Publique-se.
Registre-se.
Intime-se.
Itaqui, 07 de novembro de 2014.
Thiago Dias da Cunha,
Juiz de Direito