Quando eu estava organizando as atividades do centenário de nascimento do escritor itaquiense Manoelito de Ornellas, que teve como ponto alto uma mesa-redonda no Salão Mourisco da Biblioteca pública do Estado, uma das pessoas com quem contatei para ver meios colaborativos a fim de se implementarem as festividades em torno das efemérides do escritor foi o então vereador Raul Carrion (PC do B-RS), de Porto Alegre. Ele se recusou a propor qualquer iniciativa institucional pelo fato de Manoelito de Ornellas ter dirigido, por um prazo curto, o Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda no Rio Grande do Sul (DEIP), subordinado ao DIP do Rio de Janeiro, na época de Getúlio Vargas. Contudo, seus pares sempre reconheceram sua atuação democrática e protetiva de perseguidos políticos, como se deu com Rubem Braga e Lila Ripoll. Com Dyonélio Machado, o grande escritor, autor de clássicos como “Os ratos” (1935), médico e deputado estadual cassado, que conheceu as prisões getulistas, homem de esquerda e de ideias socialistas, não foi diferente. Pois bem: em 1944, Dyonélio lançou o livro “Desolação”, publicado pela José Olympio, e dedicou a obra publicamente a quatro pessoas, nestes termos: “O que deve este livro a Carlos Reverbel, Rivadávia de Souza, Athos Damasceno Ferreira e Manoelito de Ornellas, não tem preço. Eu nem tento pagá-lo”. Para quem conheço um pouquinho da vida e da obra de Dyonélio, que teve divergências irremovíveis até com Erico Verissimo quando este interferiu para vê-lo premiado pela Academia Brasileira de Letras (ABL) ainda na prisão, tal reconhecimento é um depoimento de absolvição para futuras aleivosias. Ele nunca foi do elogio fácil. E a dedicatória é de um livro de 1944, ou seja, depois do período do DIP. Também é posterior ao período do DIP, muito posterior, claro, a união da deputada federal Manuela d'Ávila (PC do B-RS) com a senadora Ana Amélia Lemos, do PPB, partido herdeiro da Arena, sustentáculo da ditadura militar. Nada como um dia depois do outro. E nada como a verdade quando ela teima em nascer como as flores no asfalto. Quem ler a assertiva insuspeita de Dyonélio Machado certamente não vai reproduzir certos juízos infamantes que rondam a periferia habitada pelos pseudoconhecedores da história. Ou desconhecedores por má-fé.