"Como dois e dois são quatro/Sei que a vida vale a pena/Embora o pão seja caro/E a liberdade pequena" (Ferreira Gullar)
Landro Oviedo
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Meu Diário
26/06/2015 19h12
NICO FAGUNDES: A MORTE COMO CONTINUIDADE DA MISTIFICAÇÃO

    O luto tem o condão de melhorar as pessoas aos olhos dos que ficam, emprestando-lhes uma pureza de alma que não se comunica com o ser vivo que foi o extinto. Já não lhe atribuem interesses inconfessáveis nem idiossincrasias de quem intervinha no cotidiano com um olho no ferro e outro na ferradura. A morte é uma liberação de compromissos e alienações, um salvo-conduto para que se possa ser quem nunca realmente fomos, como uma lente que distorce o que foi visto por alguns e que é agora presumido por muitos.
    Nunca gostei do papel do Nico Fagundes na cultura gaúcha. Como uma espécie de mandachuva local, sempre escolheu para si o papel de patrão de uma estância de pouca ou discutível produção. Se dependesse dele, até hoje a música gaúcha estaria na caricatura, envolvida numa ópera-bufa, recolhendo as ostras e jogando fora as pérolas. Isso seria aceitável num homem mediano, de horizontes curtos, mas é um verdadeiro delito quando praticado por um homem culto que, em vez de ser rio, preferiu ser represa. Na verdade, as pessoas cultuam os mortos por sua própria fragilidade, por enxergarem nele seu destino indelével. Mas não significa que isso seja certo, porque os vivos erram e os mortos não errarão nunca mais. Todavia, as representações delas não podem transfigurar a figura real que, no seu tempo e contexto, foi o que quis ser, seja atacando moinhos, seja fazendo coro aos poderosos, seja participando ativamento para mudar este mundo. A criação coletiva demanda uma origem na realidade, sob pena de ser mera manipulação.

Publicado por Landro Oviedo
em 26/06/2015 às 19h12
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