"Como dois e dois são quatro/Sei que a vida vale a pena/Embora o pão seja caro/E a liberdade pequena" (Ferreira Gullar)
Landro Oviedo
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Meu Diário
24/07/2019 14h11
UM TRECHO DE “ESPÁRTACO”, 1952 (HOWARD FAST)

     Depois de vencer novas expedições romanas contra seu exército de escravos, enviadas pelo senador Graco, Espártaco poupa a vida de um soldado romano para que ele possa levar sua mensagem ao Senado, um antro de velhacos da cidade eterna. Assim falou o sobrevivente:


     Volta para o Senado (dissera Espártaco) e entrega-lhes a vara de marfim. Faço-te legado. Volta e conta-lhes o que viste aqui. Dize-lhe que enviaram suas coortes contra nós e que as destruímos. Dize-lhe que somos escravos – o que chamam de instrumentum vocale. O instrumento com voz. Dize-lhes o que diz nossa voz. Dizemos que o mundo está cansado deles, cansado de seu Senado podre e de sua Roma podre. O mundo está cansado da riqueza e esplendor que extraíram do nosso sangue e ossos. O mundo está cansado da canção do chicote. É a única canção que conhecem os nobres romanos. Mas não queremos mais ouvir essa canção. No começo dos tempos, todos os homens eram iguais e viviam em paz, repartindo entre si o que possuíam. Mas agora existem duas espécies de homens, o senhor e o escravo. Somos, porém, mais numerosos que vós, muito mais. E somos mais fortes, melhores que vós. Tudo o que existe de bom na humanidade nos pertence. Amamos nossas mulheres e as protegemos e lutamos com elas. Mas vós transformais vossas mulheres em prostitutas e nossas mulheres em gado. Choramos quando nossos filhos nos são arrancados e os escondemos entre os rebanhos, para que os possamos ter por mais tempo ao nosso lado; mas criais vossos filhos como quem cria gado. Tendes filhos com nossas mulheres, e os vendeis no mercado de escravos a quem pagar mais. Transformais homens em cães, e os enviais à arena a fim de que se estraçalhem para vosso deleite, e enquanto assistem o espetáculo de nossa morte, vossas nobres damas romanas acariciam cachorrinhos ao colo e os alimentam com iguarias finas. Que criaturas repugnantes sois e que imundície fizestes na vida! Tornastes em deboche tudo com que sonham os homens, o trabalho da mão de um homem, o suor da fronte de um homem. Vossos próprios cidadãos vivem de esmolas e passam os dias no circo ou na arena. Fizeste da vida humana uma farsa e roubaste-lhe todo o seu valor. Matais pelo prazer de matar, e vossa suave diversão é ver correr sangue. Mandais criancinhas para vossas minas e em poucos meses as matais de trabalho. E edificaste vossa grandeza roubando o mundo. Mas agora, isto acabou. Dize a teu Senado que está acabado. Esta é a voz do instrumento. Dize a teu Senado que mande seu exército contra nós, e os destruiremos como destruímos estas coortes, e nos armaremos com as armas dos exércitos que mandaram contra nós. O mundo todo ouvirá a voz do instrumento – gritaremos aos escravos do mundo: “Erguei-vos e rompei vossas cadeias!” Percorreremos a Itália, e onde formos os escravos se reunirão a nós – e então, um dia, investiremos contra vossa cidade eterna. Deixará de ser eterna, então. Dize isto a teu Senado. Dize-lhes que os avisaremos da nossa chegada. Arrasaremos as muralhas de Roma. Iremos à casa onde está instalado o teu Senado, e arrastaremos os senadores de seus poderosos lugares e arrancaremos as roupas para que fiquem nus e sejam julgados como sempre fomos julgados. Mas os julgaremos com justiça, toda a justiça que não merecem. Cada crime que cometeram lhes será imputado, e haverá um relato completo. Dize-lhes isto, a fim de que se preparem e examinem suas consciências. Terão que prestar testemunho, e nós, escravos, temos uma boa memória. Depois, quando tiver sido feita a justiça, edificaremos melhores cidades, limpas e belas cidades sem muralhas – onde a humanidade possa viver em paz e felicidade. É esta a mensagem ao Senado. Agora, vai transmiti-la. Dize-lhes que é de um escravo chamado Espártaco.


     Desde tempos imemoriais, o mundo é formado por um punhado de idealistas, milhões de oportunistas e bilhões de deserdados. A luta é árdua, mas não começou hoje. As vilanias e as injustiças sociais são ervas daninhas que se enraízam para emergir no quintal das plantas nocivas à humanidade. Arrancá-las é uma tarefa que se prolonga na história e demanda a memória e a entrega de várias gerações. Espártaco fez a sua parte e, do fundo de suas desditas, reclama que seus pósteros igualmente façam a sua.


 

Publicado por Landro Oviedo
em 24/07/2019 às 14h11
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