AS CRUZES DO VESTIBULAR
De repente, algumas mentes privilegiadas por uma epifania pedagógica parecem ter reinventado a roda que vai fazer finalmente o vestibular entrar nos trilhos, acabando com o chamado chute na resolução das questões. Assim, em cada uma delas, se o aluno errar uma alternativa, ele terá o valor dela descontado do cômputo geral de sua nota. Perderá o que deixou de acertar e perderá ainda o que lhe for debitado por ter marcado uma resposta errada. Para evitar tal desconto, ele terá de marcar a alternativa em que afirma ignorar a resposta. Não ganha nada, mas também não perde. Hipoteticamente, na dúvida, para não correr o risco de perder, ele só marcará a resposta se tiver certeza. Parece bom, bonito e barato. Será que é realmente?
Primeiramente, com cinco alternativas, as questões geralmente são elaboradas com três delas descartáveis, sendo que duas costumam ter a aparência de corretas. Nesse caso, o aluno que realizou tal processo para se acercar da resposta correta estará sujeito a ser punido mesmo já tendo realizado um raciocínio lógico e operado variantes do processo cognitivo. Em vez de puni-lo, não se deveria premiá-lo por descartar alternativas erradas?
Em segundo lugar, está se extinguindo o direito de errar, de ter dúvidas, que está sendo extirpado do vestibular, apesar de ter sido sempre uma catapulta da história da humanidade. E logo num vestibular!
Em terceiro lugar, é horroroso que se semeie um incentivo à indecisão dos nossos jovens, que, premidos pela circunstâncias intrínsecas e extrínsecas de um vestibular, vão ter sua especulação tolhida na hora da prova. Mesmo que em uma única questão.
Por fim, o argumento de que só assim os vestibulandos de chuteira não terão acesso à universidade é uma falácia. As provas do vestibular, tais quais realizadas hoje, permitem, pelo número de questões, evitar tal ingresso, pois seria preciso sorte equivalente a acertar em uma loteria para ultrapassar alunos bem preparados. A não ser em cursos de pouca procura, cujas vagas já deveriam ser naturalmente ocupadas. No mais, essa discussão sobre cruzes oculta os mortos e os feridos de uma batalha em que a reflexão crítica é a maior vítima e não cabe nas cinco alternativas de uma questão objetiva.
Correio do Povo
Porto Alegre - RS - Brasil
PORTO ALEGRE, SEXTA-FEIRA, 26 DE JULHO DE 2002.
Veja também:
www.cursodeportugues.zip.net
(Curso de Português)
www.megalupa.zip.net
(Jornal Megalupa)
Landro Oviedo
Enviado por Landro Oviedo em 06/03/2012
Alterado em 10/03/2012