"Como dois e dois são quatro/Sei que a vida vale a pena/Embora o pão seja caro/E a liberdade pequena" (Ferreira Gullar)
Landro Oviedo
"Somente buscando palavras é que se encontram pensamentos" (Joseph Joubert)
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Textos
             SOBRE HERÓIS, QUIXOTES E ANTI-HERÓIS
     Os historiadores, frequentemente, aparecem como narradores da "sua" história oficial e, nessa condição, sabem de sua fragilidade. Entretanto, essa ciência acaba assumindo uma forma de alerta prévio sobre o objeto de estudo, quando, na verdade, deveria ser uma prevenção sobre os próprios interesses do sujeito que se dispõe a esboçar sua narrativa. Ninguém pode iluminar nada com sua tênue luz sem que ilumine a si mesmo antes, dizendo a que veio e por que se configura assim.
     Alguém poderá objetar que tal visão é estreita, por contaminar o objeto com o gene do sujeito, fazendo com que o leitor olhe com movimentos de pingue-pongue. Isso fará com que a interatividade cognitiva fique prejudicada, pois a obra não é necessariamente reflexo do criador. Mas é inegável que a criatura lhe deve a existência e isso não poderá ser apartado de suas motivações e convicções.
     Saindo de conceitos "em nuvens" e retornando à querência, a temática dos heróis constitui material abundante para a historiografia e para os pesquisadores. Muitos historiadores se pautam no trabalho de desconstituir "heróis" e em eleger os seus, num processo de legitimação de alguns e de desdeificação de outros. No fundo, são tão personagens quanto os que escolheram como protagonistas.
     Para ficar em apenas um período de nossa história sulina, podemos recortar a chamada Revolução Farroupilha. Temos heróis, quixotes e anti-heróis. Temos Bentos Gonçalves, Luigis Rossettis e Bentos Manuéis Ribeiros à exaustão. Em qual dessas categorias encaixaríamos os lanceiros negros, verdadeiros gaúchos a pé?
     Não há nenhuma contradição em apontar heróis na história. São homens e mulheres que, em determinado momento, ousaram mais do que poderia fazer o "homem médio", aquele da ficção jurídica. Muitos têm uma intensidade de vida nunca desvendada, como é o caso de Castro Alves, que não cabia em seu tempo.
     O processo de se apropriar de um herói não se deve tanto ao que ele fez, mas a uma necessidade de quem o defende. Os interesses se entrecortam atualizados pelas relações de poder. Instituições podem pendurar retratos nas paredes, mas talvez devessem ter também lugares vagos para os preteridos, encobertos pelo véu espesso para alguns e diáfano para outros.

Correio do Povo
Porto Alegre - RS - Brasil

ANO 117 Nº 139 - PORTO ALEGRE, QUINTA-FEIRA, 16 DE FEVEREIRO DE 2012.


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Landro Oviedo
Enviado por Landro Oviedo em 06/03/2012
Alterado em 17/07/2018
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