Araújo Porto Alegre (1806-1879) - Teatrólogo, arquiteto, historiador, pintor e poeta, Manoel de Araújo Porto Alegre foi uma das figuras mais fulgurantes das letras brasileiras e rio-grandenses. Para dar expansão à sua sede insaciável de vida e de arte, morou em Porto Alegre, Rio de Janeiro e Paris, onde foi discípulo do famoso pintor Debret. Homem de gênio, foi, junto com Gonçalves de Magalhães, introdutor do Romantismo no Brasil. Só isso bastaria para imortalizar seu nome. Mas ele queria mais.
A crítica tem sido muito severa com Porto Alegre, reconhecendo seu papel de vanguarda no Romantismo, eventuais momentos de brilho em seus poemas, mas negando-lhe um maior valor literário. Assim se pronunciaram estudiosos como Alfredo Bosi e José Guilherme Merquior. Igualmente Guilhermino César lhe faz severas restrições, pesados débitos no atacado, o que procurou compensar com alguns créditos no varejo.
Mas esse quadro adverso adverso a Porto Alegre tem uma base real. Sua poesia em obras como “As brasilianas” (1863) é rebuscada, artificial demais. Nada lhe infunde sopro de vida, paixão vital. É produto do predomínio da razão sobre a emoção.
De tais defeitos apenas secundariamente vai padecer o poema “Colombo”, escrito em 1866. Formado por um prólogo e quarenta cantos, vai alternar momentos quase inacessíveis ao leitor comum com momentos de intenso conteúdo dramático e de beleza plástica. Já antecipando um clima favorável à obra de Porto Alegre, embora destacando a intempestividade do poema, assim escreveu o exigente crítico José Veríssimo em “História da Literatura Brasileira”:
“Por mais difícil que se nos antolhe a leitura deste extensíssimo poema, merece ele que vençamos a nossa hodierna repugnância de ler grandes epopeias e o leiamos. Há nele uma realmente assombrosa imaginação e fecundidade de invenção, insignes dons de expressão verbal, como raro se outro exemplo da poesia da nossa língua, magnificências de descrições verdadeiramente primorosas revelando no poeta o artista plástico um nobre intuito quase sempre felizmente realizado de pensamento, correção quase impecável de versificação, vernaculidade estreme, engenhosas audácias de criação e de expressão, e outras qualidades que o fazem uma das mais excelentes tentativas para reviver na nossa língua, se não nas literaturas contemporâneas, essa espécie de poema. (...)”
E nesse julgamento ao longo da história, quando a memória de de um homem e sua obra ficam à mercê do permanente e instável senso crítico dos que o sucedem, parece que a balança do tempo vai ficando um pouco menos desfavorável a Porto Alegre. O crítico e professor Donaldo Schuller, em “A poesia no Rio Grande do Sul”, destaca o pioneirismo do poeta ao denunciar o massacre dos povos ameríndios, com versos antológicos e carregados de conteúdo dramático:
Qual ingente trovão soa um gemido
De quatorze milhões de desgraçados
Perdendo a pátria, a liberdade e a vida!
E se vê nesse deserto, envolto em fumo,
Sobre um monte de corpos dessangrados,
O estandarte da Ibéria triunfante,
Qual cruz funérea memorando um crime!
Donaldo Schuller lembra ainda a marcada diferença entre Araújo Porto Alegre e o mineiro Basílio da Gama. Este, ao escrever “O Uraguai”, tematizando os Sete Povos das Missões, lança honrarias ao conquistador. Porto Alegre, por sua vez, mantém uma independência crítica em todos os sentidos.
Manoel de Araújo Porto Alegre foi um homem de seu tempo e do tempo dos outros que viriam. Brasileiro e universal, foi um cidadão do mundo sem esquecer sua aldeia. Sua inteligência poderosa nem sempre teve as condições mais favoráveis para acompanhar as angústias e os anseios do criador. Entretanto, em tudo aquilo que Porto Alegre principiou em envolver-se, e foram tantas áreas que reclamaram sua atenção, restou o indício de um homem em franca expansão da sua genialidade. Se um homem é sua circunstância, como afirma Ortega y Gasset, as limitações do meio a que Porto Alegre esteve sempre submetido lhe haverão de servir como atenuantes no tribunal da história.
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Salvos pelo talento
Nas batalhas que se travavam entre as tribos rivais mais aguerridas, era costume os vencedores devorarem os prisioneiros. Não era um gesto de vingança, mas sim um ritual de profundo significado místico, no qual a coragem e a valentia do guerreiro morto passariam a animar o espírito e o corpo daqueles que comessem sua carne.
Nem sempre, porém, os vencedores devoravam os vencidos. Quando um cacique inteligente e talentoso se defrontava com um prisioneiro também inteligente e talentoso, não havia derrota, mas sim uma dupla vitória.
Algumas tribos tinham por costume poupar da morte os prisioneiros que fossem bons cantores ou que soubessem contar histórias interessantes.