Capa da obra, lançamento da Ed. Movimento/Pré-Universitário
HÁ CEM ANOS, NASCIA O POETA DA ALDEIA (AURELIANO DE FIGUEIREDO PINTO)
O ano de 1998 marca o centenário de nascimento de Aureliano de Figueiredo Pinto em Tupanciretã
O escritor Leon Tolstói cantou a pedra: escreve sobre tua aldeia e serás universal. A obra do poeta regionalista Aureliano de Figueiredo Pinto (1898-1959) reafirma o preceito. Aliás, universalidade era uma palavra incorporada ao cotidiano do poeta, leitor ávido de Olavo Bilac, Cruz e Sousa, Euclides da Cunha, Bocage, Eça de Queiroz, Verlaine, Mallarmé e outros.
Contudo, apesar dessas leituras, foi a poesia gauchesca que arrebatou o coração e a verve de Aureliano. Era na leitura de autores que iam de Simões Lopes Neto a Ricardo Güiraldes que ele sentia vibrar as forças atávicas que, em seus versos, eternizariam o modus vivendis do gaúcho. Esses versos conjugaram-se nos livros “Romances de estância e querência: marcas do tempo” (1959), único livro manuseado em vida pelo autor, e “Armorial de estância e outros poemas” (1963). Em prosa, escreveu “Memórias do Coronel Falcão” (1973)
A poesia de Aureliano é regional e, talvez por isso mesmo, traz no seu bojo uma profunda universalidade. Os dramas e angústias humanos ocorrem em todos os tempos e lugares: no deserto, no mar, nas cidades e nos campos. Ao autor coube estes últimos como cenário para os poemas que chamou romances – e não por acaso. Neles, os homens e mulheres sentem as vicissitudes de uma vida que se mescla de intempérie, solidão e trabalho árduo pela sobrevivência. Esse relacionamento do homem com seu meio quase inóspito é cantado nas lidas de campo, na fraternidade entre os peões, na paisagem, no fatalismo acristianado, na linguagem moldada por um tipo humano, o gaúcho, em condições históricas e sociais de entreveros e intercâmbio com os vizinhos países do Prata. Os poemas mostram um Aureliano arguto, atilado, vivenciador do que escreve. Por isso, cada um dos seus versos encerra flagrantes e metáforas, que, depois, copiados à exaustão, virariam meros daguerreótipos em manuais nativistas.
A prosa de Aureliano em nada desmerece sua poesia. O romance “Memórias” se desenrola no RS na República Velha. O livro, cujos originais foram salvos das labaredas pela diligência de sua mulher, dona Zilah, é a história de um estancieiro escolhido pelos republicanos de uma cidadezinha como intendente, com o poderoso aval de Borges de Medeiros. O Coronel Falcão, entre mulheres, farras, a descapitalização da pecuária e uma irresolvida paixão, dilapida sua fortuna e é abandonado por antigos colaboradores, perdendo a intendência. Amargurado, recolhe-se a uma chácara que doara em tempos melhores a um negro seu afilhado. Com o tempo e muito trabalho, ele reencontra uma vida tranquila e até recusa um novo convite para assumir a prefeitura.
O livro, terminado em 1937, permaneceu inédito até 1973, quem sabe para alívio de maragatos e chimangos, subitamente reconciliados para levar Vargas ao poder em 30. Talvez não coubesse mexer em feridas cicatrização duvidosa. Aureliano, ao que parece, concordou. Porém, como afirmou o professor Carlos Appel, ele parecia ter uma secreta intuição da permanência de sua obra. Assim, podia esperar.
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Temas de Aureliano
Gaudério
Na estância, toda a semana
Eu campereei de sol a sol
E hoje, sábado, com gana
Me corto a ver a tirana
Com duas braças de sol
Chego, enfim, a paisanita
Diz-me adeus num lindo momo
Com a graça humilde e esquisita
Que hay na flor do cinamomo
Cai geada, o flete relincha
Tranqueando o pelo, arrepiado
Olho a noite pela frincha
Inté o silêncio é gelado
O ar parece que corta
Os nossos peitos amantes
Como os fogões dos andantes
Acesos na noite morta
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Velório
(...)
E as linhas daqueles rostos
Que estão velando o finado
Esboço de Cristo no horto
Sobre a parede em recorte
Ensaiam perfis de morte
Copiando os traços do morto
Revista do Instituto Estadual do Livro (IEL), “Continente Sul Sur”, Nº 9, 1998, p. 21. Porto Alegre-RS, Brasil.
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