MARIA JOSEFA BARRETO PEREIRA PINTO
O jornalismo da mulher em primeira mão
O Rio Grande do Sul acordou tarde no cenário nacional. A roda da história gira em periódicas intersecções com a roda da economia, sob os caprichos do deus Mercúrio. Assim, ficamos ao deus-dará, como terra de ninguém e de todos, até que nosso gado alçado e cavalares se constituíssem num produto genuinamente nacional no ciclo da mineração, em meados do século XVIII. Sobre isso, assim se pronunciaria o historiador Artur Ferreira Filho:
"A campanha, para além do canal, era povoada por inúmeras manadas de bovinos e cavalares. Iniciando o tráfico de animais, abria-se nova era na economia do Brasil. O Sul, até então apenas oneroso, passava a ser uma fonte de riqueza."
Essa suplência tardia na economia nacional, as guerras de fronteiras, a baixa densidade populacional, tudo isso contribuiu para que a vida civilizada começasse tarde no Continente de São Pedro. Basta lembrar que apenas em 1801 Manuel dos Santos Pedroso, Borges do Canto e Gabriel Ribeiro de Almeida conquistariam definitivamente a área das antigas Missões, selando a atual configuração geográfica do Rio Grande do Sul.
Feito o dever de casa, era preciso começar a colocar os pingos nos is e ir atrás do tempo perdido. Escolas, jornais, vida literária, instituições, tudo estava por se fazer.
Mas se foi preciso esperar três séculos para sentar praça definitiva por estas bandas, não seria preciso esperar um tempo proporcional para igualar os feitos da imprensa do resto do país. Se em 1808 era fundada a Imprensa Régia e o Correio Braziliense, de Hipólito José da Costa, já em 1827 ganhava as ruas da Capital o Diário de Porto Alegre.
Nesse tempo, Maria Josefa, vinda de Rio Pardo, já morava em Porto Alegre. Vendo fechadas as portas e as páginas do jornal precursor, não titubeou e participou da articulação de dois jornais, A Idade d'Ouro (1833) e o Bellona (1833). Pela data em que praticou seu mister, ela, seguramente, é a primeira jornalista brasileira. Mas deixemos que o livro de Roberto Rossi Jung se encarregue de destrinchar melhor essa história.
Maria Josefa foi uma mulher à altura dos seus sonhos. Em uma sociedade marcadamente patriarcal e machista, ela nunca se curvou às imposições do meio. Sentia-se predestinada a romper com um ciclo de aprisionamento das existências que se abatia sobe ela apenas por sua condição de mulher. Por certo, além da sua credencial de pioneira no jornalismo, a ela também deve ser creditada uma luta de vanguarda em defesa dos direitos das mulheres. Aliás, bem diferente de outra precursora, a poetisa cega Delfina Benigna da Cunha, lamurienta, que batia sempre na tecla das suas desgraças para pedir favores e comiseração.
Maria Josefa não teve uma vida fácil. Abandonada pelos pais verdadeiros, foi adotada, se bem que a adoção resultou-lhe afetiva e materialmente proveitosa. Casou-se com um poltrão e corrupto, que acabaria por abandoná-la. Perdeu seu casal de filhos, invertendo aquela máxima de que os filhos é que devem enterrar os pais. Para completar, ficou na berlinda ao alinhar-se com os legalistas contra os farrapos, posto que estes, os derrotados mais vitoriosos da história, vieram a desfrutar de vento em popa na posteridade. A ela restou o vento norte, de humor instável, para quem remou contra a corrente.
A atividade jornalística de Maria Josefa, segundo o escritor e jornalista Carlos Reverbel, se insere naquela fase de descortínio desse ofício em nossas plagas, com seu romantismo e aprendizado. A segunda fase é aquela do periódico a serviço de uma causa política, como no legendário embate entre A Reforma (1889) e A Federação (1884). O primeiro era dirigido pelo torrencial tribuno Gaspar Silveira Martins; o segundo, pelo inexorável Júlio de Castilhos. Já a terceira fase se constitui com a fundação do Correio do Povo, trazendo a era do jornalsimo industrial, desvinculado das paixões de superfície.
Maria Josefa Barreto Pereira Pinto, essa mulher de oportunos dotes artísticos e culturais, é a biografada de Roberto Jung. Seu livro é exemplar na união de personagens, texto e contexto. Traçando-nos seu retrato psicológico, reconstituindo seus passos, inserindo-a como uma peça marcante no tabuleiro da província, tudo com um texto fluente e cativante, ele acrescenta um bálsamo ao desencanto dos que sofrem as agruras da indigência mental que nos rodeia.
Com este livro, nossa memória coletiva está, por certo, menos pobre. Oxalá ele seja inspirador de novas obras que abarquem nossa história e nossa literatura. Os enigmas, como aquele do prelo que teria sido apreendido pelo general Carlos Maria de Alvear, no seu "empate foram de casa" na batalha do Passo do Rosário, em 1827, estão aí para serem decifrados. Ou devorados pela pena curiosa e investigativa de escritores e pesquisadores do porto e da estirpe de Roberto Rossi Jung.
Contatos com o autor da obra:
Roberto Jung: grupoaguia06@gmail.com, fone (0xx51) 3225-0107 (Porto Alegre-RS)