"Como dois e dois são quatro/Sei que a vida vale a pena/Embora o pão seja caro/E a liberdade pequena" (Ferreira Gullar)
Landro Oviedo
"Somente buscando palavras é que se encontram pensamentos" (Joseph Joubert)
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Textos
É DURA A VIDA NO CAMPO (TIRAS DE SÁVIO MOURA) - PAJADAS 

PAJADA DO CHIRU VELHO
É dura a vida no campo
Nos relata o Sávio Moura
Lá o índio não se agoura
Enfrenta até tempestade
Há um clã de fraternidade
E de valores reais
Flagrantes para os anais
Unindo pampa e cidade

O chefe é o Chiru Velho
Vaqueano de mil andanças
Vem de Blau Nunes a herança
Ou de Sepé no entreveiro
Conhece seu pago inteiro
Sempre assoma com porte
Até galho que se entorte
Ele endireita ligeiro

Ponderado, aponta nortes
E conduz com maestria
O Chiru Velho vigia
Que tudo saia a preceito
É um homem de respeito
Não gosta de patacoadas
Desde o Virso à bicharada
Todos têm que andar direito

Cultiva nosso passado
Com um mimo singular
Até já está a contar 
Os embates das coxilhas
Conhece a nossa trilha
Engalanada na história
Na luta que fez a glória
Do decênio farroupilha

E nas lides e ofícios
É taura juramentado
Domas, criação de gado
Não lhe há assunto distante
É enciclopédia ambulante
Do ambiente pastoril
Faz avançar o Brasil
Levando o Rio Grande adiante

Sê bem-vindo, Chiru Velho
Baluarte da tua estância
Tapejara das distâncias
Pelos caminhos mui anchos
Tu nunca serás carancho 
E tua imagem bravia
Em gaudéria romaria
Vai matear em muitos ranchos.

PAJADA DO VIRSO
É dura a vida no campo
Mais dura a vida na estância 
Lá não é a lei da ganância
Que impera pelos umbrais
Há que se unir com os demais
Em torno do objetivo
Mas se for um pouco vivo
Chega a capataz no mais

E o capataz é o Virso
Um índio meio sotreta
Trabalha se dá veneta
E até se faz de tambeiro
É um aprendiz de campeiro
Por vezes peão caricato
Põe a mutuca no mato
Pra tirar boi pescoceiro

Falam bem e mal do Virso
Quera às vezes indolente
Mas no fundo é boa gente
Gostando da boa vida
Não é muito dado à lida
E conta com a bicharada
Para dar uma tapeada
Nas tarefas recebidas

A vida que o Virso leva
É uma vida mais ou menos
Cochila até nos fenos
E pros bichos é uma comédia
Tem que andar na curta rédea
Pra desempenhar o ofício
Que pra aprender foi difícil
Pra quem tem vontade média

A Juracema o Virso
Enrola com perfeição
Ora diz sim, ora não
Vai levando com ardil
Mudar de estado civil
É um cabresto na certa
E quando a coisa aperta
Ele faz que não ouviu

Esse é o Virso, agregado
Que é cria lá da Fronteira
Tem uma alma violeira
Num canto que se expande
Seu coração é um estande
Onde não cabem contendas
Só o mundo da fazenda
E o universo do Rio Grande.

PAJADA DA DONA PALOMETA
É dura a vida no campo
Cada um leva a sua sina
Que é uma forma cristalina
De afinar a opereta
A ninguém dá na veneta
Por este ou aquele ranço
Se meter de pato a ganso
Com a Dona Palometa

Mui veterana das lides
Onde mete a mão dá renda
Sabe se impor na fazenda
As tarefas nunca atrasa
Do Chiru Velho as asas
Já cortou há muitos anos
Num casório de tutano
Com o pajador da casa

É mulher firme do pago
Da fibra que fez história
Honra bem essa memória
Tão repleta de heroísmo
Assim se faz telurismo
Com a alma feminina
Que na estância refina
O mais xucro barbarismo

Dona Palometa sabe
Onde se põe o indês
Cada coisa tem sua vez
Com o tempo de conselheiro
Bom negócio de meeiro
Exige paciência e arte
E se é bom pras duas partes
Vale mais que o lucro inteiro

Com essa sabedoria
A matriarca dá jeito
De garantir o respeito
De toda a comunidade
Bicho e gente de verdade
A tratam com reverência
Porque ela tem a ciência
Do bem sobre a fealdade

A ti, Dona Palometa
Fica aqui minha homenagem
Em tua cândida imagem
Retorno à perdida infância
Bem sei de tua importância
Nesse rincão de nomeada
E os teus cabelos de geada
São alma e vida da estância.

PAJADA DA JURACEMA
É dura a vida no campo
Assim exige a labuta
Mas mesmo na lida bruta
Que se exige do torena
Hay que tener alma buena
Pra sentir o pago em flor
Refletido no fulgor
Dos olhos da Juracema

"As mocinhas da cidade
São bonitas e dançam bem"
E a Juracema tem
Esse lastro de cultura
Quer os plurais na lisura
E não se avexa por nada
Desde a sede à invernada
Desfila sua formosura

O sonho não cobra "plata"
E essa prenda é sonhadora
O Virso ela entesoura
Como futuro marido
O índio é mal havido
Com essas cousas de anel
Mas não há de ser revel
Num casório prometido

Numa dança na fazenda
Baile de gaita e violão
Na polca de relação
O Virso cantou, eu ouvi:
"Eu vim lá do Itaqui
Que é terra de ventena
Pra bailar com essa morena
A mais linda que eu já vi"

A Juracema é a flor
Que mimoseia o rincão
É seiva de inspiração
No espelho dos seus anos
A juventude, paisano
É graça, sopro, poesia
Na cancha reta dos dias
Dá até luz pros desenganos

Assim vive a Juracema
Como princesa gaudéria
É a Teiniaguá da Ibéria
Que dobrou tempo e distância
Seu coração tem a ânsia
Do amor que a tudo enleva
Com a saga de Adão e Eva
Se acrioulando na estância.

PAJADA DO CHUMIM
É dura a vida no campo
Exige engenho e arte
E a diversão faz parte
Desse cotidiano rude
E a verve da negritude
Se manifesta por fim
Nas pajadas do Chumim
Cheia de esmero e virtude

O Chumim é índio taura
A lida não tem segredos
E com o violão entre os dedos
Canta versos de porfia
Na estância traz alegria
Pra família e agregados
Nunca se faz de rogado
E o folguedo principia

O Chumim tem uma história
Legada de pai pra filho
Nunca dormiam em lombilho
Negro a pé tem dias longos
São desídias lá do Congo
Mazelas que o tempo deu
Seu tetravô feneceu 
No Massacre de Porongos

E da senzala à fazenda
Os de Chumim foram vindo
Nem sempre o campo era lindo
Por ser o gado alheio
Mas se o tempo era feio
A esperança extraviada
Tu a trazias achada
Negrinho do Pastoreio 

Retidão e humildade
Que todos somos iguais
Aprendeste com teus pais
Devotos de Santo Inácio
E no bolicho, o Nicácio
Te deu a orientação
Pro manejo do violão
Que emprestou Tio Anastácio

Tu és gaúcho de lei
Nesta querência moderna
Tua mente é a cisterna
Do verso que flui sem erro
Vai no coração um cerro
Onde ecoa o jogral
Daquele teu ancestral 
Que trovou com Martin Fierro.

PAJADA DO BICHAREDO
É dura a vida no campo
Ainda mais pra quem é bicho
O jeito é achar um nicho
E negociar com essa gente
Só o cavalo está contente
O porco, o galo, a coruja
Não são lá de garatujas
Porque quem cala consente

O porco é eterno rebelde
Sempre está com o pé no estrivo
Dizem até que leu um livro
De um agir da bicharada
Esse estouro da boiada
Que o fez subversivo
E para se manter vivo
Dorme só de madrugada

O galo é o mensageiro
Das chegadas das manhãs
Dizem que é meio tantã
E que engana no violão
Exerce a adivinhação
Quando o cebolão se esfola
Sentinela meia-sola
Do horário de verão

Doutor Coruja é o mestre
Mantra da sabedoria
Sobressai com maestria
Pros bichos é viva lenda
É o mais culto da fazenda
E não credita lorota
Já se fez um poliglota
E até soneto ele emenda

O cavalo é o amigo
O bom-moço da estância
Ajuda a encurtar distâncias
E é parceiro dos ofícios
Não é dado a nenhum vício
E se orgulha da querência
Que as patas da sua ascendência
Expandiram nos estrupícios

Com essa fauna campeira
E as vacas de figurantes
Com o guaipeca vigilante
Vai o Rio Grande bagual
Essa saga regional
Unindo campo e aldeia
É o pago que troteia
Num coração animal.

PAJADO DOS FORASTEIROS (DONA TÊNIA E ADEODATO)
É dura a vida no campo
E exige habilidade
Não é que nem na cidade
Vigora outro sistema
E os país da Juracema
Verão, não é lenda urbana
Assoviar e chupar cana
É solução, não problema

Não é fácil chegar assim
Evadidos de outras bandas
Não são as mesmas cirandas
Nem os grilos cantam igual
É recanto bem bagual
Nesta estância campeira
Quem não tem eira nem beira
Tem mate, pouso e bornal

Mas alguns têm certa pompa
Como o seu Adeodato
Já quer até comodato
Na fazenda do Chiru
É janota muito cru
Mas não se faz de rogado
Pra um negócio bem traçado
Pinta de verde urubu

De sua parte, Dona Tênia
Ajuda a dona da casa
É fogo que não dá brasa
A culinária difere
Mas a conversa sugere
Que as duas se dão bem
O cotidiano retém
O que a amizade insere

O sonho dos genitores
É o casamento da filha
Mas o Virso é ruim de encilha
E se vai pelas beiradas
O laço vai pela armada
Nos floreios de papudo
Os sogros querem de tudo
E o genro não topa nada

E assim eles vão ficando
Se agauchando aos pouquitos
Por vezes, algum faniquito
De quem não é bem da lida
Mas são as cousas vividas
Que nos viventes dão trato
Dona Tênia e Adeodato
No campo têm nova vida.

Para ver as tiras de Sávio Moura na série "É dura a vida no campo", acesse www.saviomoura.com.br​
Landro Oviedo
Enviado por Landro Oviedo em 10/05/2014
Alterado em 16/03/2018
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