"Como dois e dois são quatro/Sei que a vida vale a pena/Embora o pão seja caro/E a liberdade pequena" (Ferreira Gullar)
Landro Oviedo
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 SOBRE COBRADORES, PAGANTES E CAPITALIZADORES

     Há um número imensurável de patriotas que preferem trocar o sofá da sala a reconhecer que são corneados diariamente. O Brasil tem umas das piores distribuições de renda do mundo e o simples dado de que apenas seis pessoas têm o patrimônio de cem milhões de brasileiros mostra muito dessa indecência social, desse bordel de beira de esquina em que as elites transformaram o país.
     Os exemplos dessas obscenidades são incontáveis e Porto Alegre está vivenciando uma delas. O prefeito Nélson Marchezan Júnior (PSDB) está propondo acabar com os cobradores (trocadores) nos ônibus da Capital. Alega que, com isso, haverá uma redução imediata de R$ 0,05 na passagem, que isso será apenas em horário noturno e que nenhum cobrador será demitido, apenas não serão repostos. Espero ter sido honesto ao colocar sua defesa de um processo ao qual sou contrário.
     O prefeito, como todo direitista e capitalista, obviamente, não vê a questão do lado do trabalho e dos trabalhadores. Tudo o que ele quer é assinalar para os empresários do transporte que eles poderão ter um ônibus funcionando apenas com o motorista e, portanto, gastando menos. Mais lucro, essa é a meta.
     Há vários aspectos pelos quais se pode contestar essa proposta. Vamos dos mais amenos aos mais complexos. Em primeiro lugar, o motorista, segundo o próprio Código de Trânsito Brasileiro (CTB) precisa se concentrar apenas em dirigir. Quem atende aos passageiros, no cotidiano, é o cobrador. Ou seja, a prefeitura está incentivando o descumprimento do CTB, que eles descumprem quando os favorece. Outrossim, o cobrador é essencial em diversas situações, desde interagir com os usuários para uma simples informação até fornecer esclarecimentos em caso de assaltos, quando eles podem aportar subsídios importantes para identificar os criminosos. 
     Mas o que está por detrás de tudo isso é a lógica do capital em lucrar em cima do trabalho. Se os empresários pagarem menos salários, terão um capital ainda maior e lucros concentrados. Os R$ 0,05 vão se transformar em milhões nos seus bolsos privilegiados. 
     Este caso concreto é ilustrativo de como o capital funciona. As pessoas podem ter uma aparente vantagem como pagadores diante de uma redução do custo de um serviço pelo emprego de uma determinada tecnologia. Todavia, logo ali adiante, isso será usado contra elas, que também poderão perder suas vagas pelo emprego da automação. O que é motivo de riso hoje pode ser a tristeza e o ranger de dentes de amanhã.
     O capital é como uma espiral em força centrípeta, concentrando os recursos da sociedade nas mãos de poucos. Por isso, para os capitalistas, é fundamental que sejam criadas formas de economizar com os salários, principalmente por meio da extinção de vagas de trabalho. O resultado disso é um empobrecimento geral que se reflete na queda de consumo e, consequentemente, em recessões em que a produção cai e o número de desempregados aumenta vertiginosamente. Poucos ficam com muito, muitos ficam sem nada.
     Alguém poderia alegar, como fizeram aqueles rapazes insensíveis da Rede Globo local, a RBS, que isso faz parte da evolução tecnológica. Até poderia ser num país em que as pessoas tivessem alternativas de se reciclar. O problema é que os detentores do capital não têm isso no horizonte. Quanto mais gente desempregada, melhor pra eles, porque cai o valor da mão de obra. 
     Os cobradores dos ônibus de Porto Alegre estão sob ameaça do fim de sua profissão. Mas não que isso seja bom para a sociedade. Todos aqueles que não entenderem que é preciso lutar contra este sistema concentrador de renda nem vão poder aproveitar os tais dos R$ 0,05 que teriam como vantagem. Os cobradores e os passageiros estão no mesmo ônibus. Já os empresários estão num camarote esperando que a prefeitura cumpra sua função de fazer o trabalho sujo. E lucrativo para eles.
Landro Oviedo
Enviado por Landro Oviedo em 16/12/2019
Alterado em 17/12/2019
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