TODOS OS BENS SÃO EFÊMEROS
Como humanista, consigo entender a luta social pela apropriação dos bens que são coletivamente produzidos pela força de trabalho, aí incluída a capacidade laboral daqueles que carregam o piano para fazer a festa dos que acabam por desfrutar das iguarias da vida enquanto para outros sobra a carne de pescoço. Todavia, há algo que, embora explicado teoricamente, não chega a ser justificado do ponto de vista da empatia e da dignidade humana.
Essa luta e essa ganância em se dar bem em detrimento de outrem constituem uma jornada vã. Ainda que o capitalista acumule muito para um inventário futuro, de nada lhe servirão tais bens na mesma extensão de suas durabilidades colocadas perante sua finitude. É por isso que todos os bens são efêmeros, porque o gozo deles é limitado no tempo e no espaço. Temos aqui um típico caso em que as criaturas remanescem e o criador se esvai, seja física, seja memorialmente. Ao giro dos moinhos do cotidiano, pouco se lhe dá se partiu um fidalgo ou um mendigo. A diferença parece ser relevante apenas num curto lapso temporal, mero átimo que não marca a existência, assim como a areia é incapaz de marcar a água que a acossa.
Já dizia Heráclito que um homem nunca passa duas vezes pelo mesmo rio, porque já não será o mesmo homem nem será o mesmo rio. Todo o nosso entorno está em constante mudança. O que hoje nos parece imprescindível amanhã poderá ser mera lembrança ou nem isso. É por essa razão que o momento é sempre o instante mais pleno. E, nessa esteira, não viver plenamente e conduzir a vida por valores que se diluem nas cobiças datadas são condutas que desativam nossa espontaneidade e jogam nossa porção solidária no fosso anterior da grande noite que sempre vem.
Jornal Nova Folha, Guaíba-RS, em 22.4.2022