INTERLOCUÇÃO DESATIVADA
     Eu sempre penso que devemos fazer um exercício de alteridade em diversas circunstâncias, procurando, ainda que momentaneamente, ver o mundo com o olhar do outro. Assim, como Descartes achou um ponto de equilíbrio no pensamento, que seria algo “real” para ele, a busca de uma realidade em comum com outros seres não é tarefa fácil, uma vez que o entendimento não é homogeneizado.
     Digo isso porque é tarefa inglória tentar entender a cabeça dos bolsonaristas, que projetam seus anseios e sua representatividade num sujeito machista, corrupto, homofóbico, sonegador, permissivo com ilícitos. Sua maior preocupação, desde sua eleição, passou a ser sair impune de seus crimes, individuais e familiares, que não eram percebidos quando ele era do baixo clero no Congresso.
     Por esta charge, percebemos como seus 30% de apoiadores/eleitores o veem: um herói que está sendo atrapalhado por todos os lados na sua tarefa de salvar o Brasil. Não enxergam seu passado terrorista, sua trajetória de sanguessuga do erário nem seu intento golpista contra nossa frágil democracia, único empecilho para seus intentos criminosos. 
     Entre os traços que definem o bolsonarismo está a baixa cognição intelectual e um manejo ideológico de um contingente de aproveitadores sobre essa camada desprovida de senso crítico. Para eles, a tortura e a censura seriam bem-vindas para assegurar um governo contra si mesmos. Quiseram repetir a Noite dos Cristais num Sete de Setembro fracassado, mas, felizmente, não lograram êxito. Nem lograrão.
     O regime militar gerou o Centrão, mas eles jamais entenderiam isso. Essa gente não queima pestanas como está propensa a queimar livros.