"Como dois e dois são quatro/Sei que a vida vale a pena/Embora o pão seja caro/E a liberdade pequena" (Ferreira Gullar)
Landro Oviedo
"Somente buscando palavras é que se encontram pensamentos" (Joseph Joubert)
Capa Meu Diário Textos Áudios E-books Fotos Perfil Livros à Venda Prêmios Livro de Visitas Contato Links
Textos

O AGRONEGÓCIO E O FUNERAL DO PAMPA
     A discussão sobre a morte ou não do gaúcho é acadêmica. Evidentemente, como personagem histórico, oriundo do cruzamento de portugueses, espanhóis e índios, sem esquecer os negros, ele ainda vive, mas já faz muito tempo que aquele cruzador de caminhos, tropeiro e carneador do gado alçado das Missões, deixou de existir. Seu legado remanesce, mas está cada vez mais aviltado, como no caso do Bioma Pampa, seu hábitat, que está sendo alvo de devastação por parte do agronegócio, como fazem os plantadores de soja, inclusive manejando seus agrotóxicos.

     Estas terras, que um dia já foram indivisas, aos poucos, passaram a ser recortadas por alambrados. Com isso, o gaúcho, guerreiro e pajador, tornou-se mero peão de estância, mão de obra barata dos donos das sesmarias. Nessa aculturação, essa figura mitológica extinguiu-se na chama tênue de sua acossada existência. E, agora, aos poucos, seu cenário vai sendo devastado. Os campos e as florestas nativas perecem para abrir áreas de plantio. Com isso, a fauna e a flora típicas do bioma vão desaparecendo em nome da ganância de uma minoria e da omissão dos órgãos que deveriam realizar uma fiscalização decente.

     Hoje, diante do chauvinismo vigente, é muito fácil um contingente qualquer vir levantar slogans por hinos, por uma tradição inventada e até mesmo por um despropositado separatismo do Rio Grande do Sul. Todavia, quando se trata de defender o território que herdamos dos verdadeiros guerreiros do passado, segmentos como o dos tradicionalistas festivos, organizados em clubes reacionários, passam para o lado dos desmatadores, com um discurso de legitimação do ataque ao meio ambiente.  Se o gaúcho voltasse hoje para cavalgar pelos campos, seria preso por abigeato e não teria sua antiga extensão de terras para vencer distâncias e respirar o ar da liberdade. Blau Nunes não teria um açude para banhar-se e o matinal emaranhado de cantos de pássaros para ouvir. O gaúcho morreu, o pampa agoniza.

 

Jornal Nova Folha, Guaíba-RS, 22.7.2022.

Landro Oviedo
Enviado por Landro Oviedo em 22/07/2022
Alterado em 22/07/2022
Comentários
Eventuais recebimentos