A LIVRE EXPRESSÃO NÃO É SALVAGUARDA DE DELITOS
Há uma frase famosa, costumeiramente atribuída a Voltaire, que diz o seguinte: “Posso não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo”. O “você” fica por conta de um desconhecido tradutor, já que nós, gaúchos, temos plena predileção pelo “tu”. Pois bem, analisando essa sentença, pode-se dizer que, se ela teve alguma validade, foi em tempos idos, quando era necessário ainda conquistar os direitos de primeira geração, como é o caso da livre manifestação do pensamento, demanda que, em sua época, necessitava ser oposta ao poder estatal. Todavia, nos tempos atuais, há que se ter cuidado com esta consignação, já que existe uma tênue fronteira entre dizer o que pensa e realizar crimes, entre eles, a calúnia, a difamação, a injúria, a injúria racial e o racismo, aí incluído o de ameaça. Todos esses tipos penais são realizados com palavras e, por isso, não podem estar sob o guarda-chuva da liberdade de expressão. E não há o que tergiversar sobre isso. Vamos supor que alguém diga que uma pessoa negra tende a ser mais envolvida com a criminalidade. Isso atinge um segmento racial, é crime de racismo e não pode ser relativizado.
Algumas máximas, com o tempo, vão sendo minimizadas e precisam ser ressignificadas. Uma delas é aquela que prega que o direito de um termina onde começa o do outro. Não é verdade. Não existe um direito de cada pessoa, mas sim um direito da coletividade que é desfrutado por todos, inclusive de forma individual. Se não fora assim, se houvesse direitos particulares, cada um poderia impor a lei do mais forte e reduzir a área de prerrogativas de outrem, o que, aliás, não é incomum, ainda que ilegal. Enfim, tudo o que se diz ocupa lugar no espaço e, mais do que meras palavras proferidas, pode configurar atos passíveis de sanção.
Jornal Nova Folha, Guaíba-RS, 29.7.2022.