INIMIZADES POR POLÍTICA
Nem sempre a diferença ideológica é fatal para uma amizade, assim como a afinidade na visão de mundo não pode configurar uma garantia de “amigos para sempre”. Cada caso é um caso e a história confirma isso. Contrariando o impagável Barão de Itararé em uma de suas mais conhecidas máximas, “de onde menos se espera, daí mesmo é que não sai nada”, às vezes o que ocorre tem lá suas doses de imprevisibilidade. Vejamos um episódio com Pablo Neruda, conforme sua narrativa em “Confesso que vivi”, um dos melhores livros que já se escreveu em todos os tempos. Perseguido pela repressão chilena, foi salvo por um grande madeireiro de direita, que financiou sua travessia pela Cordilheira dos Andes. Já Che Guevara, em sua desventurada passagem pela Bolívia, foi abandonado à própria sorte por Mario Monje, secretário-geral do PC boliviano. Para Neruda, veio o inesperado; para o Che, o esperado não veio.
Dessa forma, estou fixando aqui que semelhanças e dissemelhanças teóricas, por muitas vezes, não são capazes de unir os iguais e desunir os desiguais. Por isso, um pouco de cautela na emissão de juízos, ainda mais os que parecem definitivos, é desejável.
Todavia, no momento atual em que vive o país, essa prudência a curto prazo é como um estopim submerso na água. Vivemos um conflito entre civilização e barbárie, entre democracia e fascismo, entre ciência, cultura e arte contra mitomanias, insipiências e inculturas. Não há como não se contrapor ao tiozão do WhasApp e àquele capitão do mato que acredita que o mentor das rachadinhas é honesto. Tenho exemplos muito próximos: duas ocorrências de câncer na família com os respectivos cônjuges apoiando quem cortou 50% das verbas destinadas ao combate à doença no SUS.
Numa era de tanta informação, o meu afeto não resiste à crueldade desinteressada. Estou convicto de que os bolsonaristas irrecuperáveis são os melhores ex-amigos que a gente pode ter.