MENINOS E MENINAS, EU VI!
O título deste texto eu o tomei emprestado de uma canção de Tom Jobim e de Chico Buarque. “Meninos, eu vi” é uma linda composição de uma parceria inarredável do melhor que a música brasileira já produziu e pode servir de mote para explicar a grandeza dos guardados que cada um de nós carrega consigo, como algo intrínseco que lhe pertence e que não pode ser simplesmente repassado para outrem a exemplo de uma imagem de computador. A única maneira de ser compartilhada é através da fluidez dos relatos e dos testemunhos de quem narra o que viveu.
Eu escrevo isso para dizer que tive momentos imperecíveis e fugazes na pessoalidade singular com muitos próceres desse nosso Rio Grande velho de guerra. Retenho na memória certo fim de tarde em que conversei brevemente com Noel Guarany, na esquina da João Pessoa com a República, em Porto Alegre. Ou quando o poeta Joaquim Moncks me apresentou o grande Darcy Fagundes, poeta, radialista, declamador. Lembro-me ainda de quando o mesmo Moncks me apresentou o Glênio Peres, em Viamão, numa festa popular. Ou quando fui participar do Galpão Nativo, com o grande vaqueano Glênio Fagundes. Igualmente foi muito bom ter maior amizade com o inesquecível e talentoso Algacir Costa, que eu já conhecia de pilcha e moto desde os tempos de Passo Fundo. Faz parte do meu histórico ter privado com a verve e a inteligência assombrosa do professor Joaquim José Felizardo, capaz de perder um cargo para não perder o chiste. Remontando a mais um pouco atrás, lembro-me de, ainda infante, levado por meus pais, assistir a Teixeirinha e Mary Teresinha num circo e a Gildo de Freitas num parque em Uruguaiana. Ainda em Passo Fundo, nos meus tempos de estudantes, presenciei um show de Jayme Caetano Braun, Chaloy Jara e Cenair Maicá, conversando com o inolvidável pajador depois do evento, no qual ele fez um improviso que arrancou gargalhadas após um espectador cair de uma cadeira de palha no Clube Caixeiral.
Não posso ainda deixar de citar que o Délvio Oviedo certa feita me levou a uma casa noturna chamada de Pandeiro de Prata, próximo à Redenção em Porto Alegre. Quem eu conheci lá? Túlio Piva, nosso Adoniran Barbosa de terno alinhado. Relembro ainda o impagável Mario Mentira, de uma oralidade cativante, mas esse vocês não têm a obrigação de conhecer porque faz parte da minha cota pessoal e afetiva.
Ao final do meu pequeno livro “A infância de Manoelito de Ornellas em sua Terra Xucra”, eu escrevi: “No ciclo da vida, só a memória luta para não perecer e, assim, sobreviver aos homens. Mas ela haverá de sempre ser acossada pelo tempo. Ainda assim, resistirá. A memória de uma vida inteira é como um sopro de vida perdido num universo sem-fim. Um ímã de uma alma sensível pode reviver seu bafejo, como quem busca viver suas outras vidas, tão distintas da sua como são entre si as contas ampliadas de um rosário ou os dias atribulados de seu fadário”.
A memória das coisas e das gentes é viva no seu hospedeiro e diáfana nos interlocutores das passagens lembradas. Seus fragmentos fazem o labor imprescindível dos poetas, dos romancistas e dos historiadores.
Jornal Nova Folha, Guaíba-RS, publicado nas edições de 30.12.2022 e 6.1.2023.
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