1964, O ANO QUE NOS TRAI ATÉ HOJE
Agora, com as facilidades das novas tecnologias, pude rever o documentário “Jango” (1984), de Sílvio Tendler, sobre a vida do único presidente brasileiro a morrer no exílio. Trata-se de um excelente material para contextualizar o Brasil da sua época e a relação desse país com os conflitos e impasses que vivemos hoje.
Na verdade, o Golpe de 64 começou a ser gestado pelos inimigos de Getúlio Vargas ainda nos anos 50. O imperialismo expansionista industrial e rentista, capitaneado pelos Estados Unidos, não poderia conviver com o projeto caudilhesco e nacionalista de Vargas, que criou várias empresas de interesse nacional, como a CSN e a Petrobras. Foi assim que formaram uma frente envolvendo a CIA, militares entreguistas e civis reacionários para anular a soberania nacional e transformar o Brasil numa filial econômica dos norte-americanos. Contudo, a investida falhou em 1954 com o suicídio de Vargas e a tentativa teve de ser adiada.
Em 1961, os mesmos atores tentaram ganhar no grito logo após a renúncia do folclórico Jânio Quadros ao tentar impedir a posse de João Goulart. De novo, tiveram os planos frustrados por conta da Campanha da Legalidade, liderada por Leonel Brizola, e se recolheram, mas não por muito tempo. Em 1964, o pretexto veio por ocasião dos comícios pelas reformas na Central do Brasil, com Jango pregando ardentemente por medidas como mais terra para os pobres e menos lucros para as multinacionais.
Com a conspiração envolvendo as forças militares e civis como os governadores Carlos Lacerda (RJ), Magalhães Pinto (MG) e Adhemar de Barros (SP), Jango foi deposto, sendo exilado no Uruguai e na Argentina. O núcleo duro da caserna endureceu o regime, afastou a cúpula civil e instaurou uma ditadura dos fardados, com perseguições, mortes, torturas e asfixia das liberdades e garantias civis. A redemocratização só viria nos anos 80, com grandes mobilizações populares, com o país sendo devolvido falido por seus algozes, sem logística, sem desenvolvimento, com uma dependência econômica da tecnologia e do capital estrangeiros.
O ano de 1964 não terminou e nos trai até hoje porque a nação desonrou a memória dos que combateram o golpismo e nunca puniu golpistas, assassinos e torturadores. É por isso, por essa impunidade, que o bolsonarismo se sente no direito de usar a democracia para tentar erradicá-la.
Jornal Nova Folha, Guaíba-RS, 3.2.2023.
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