"Como dois e dois são quatro/Sei que a vida vale a pena/Embora o pão seja caro/E a liberdade pequena" (Ferreira Gullar)
Landro Oviedo
"Somente buscando palavras é que se encontram pensamentos" (Joseph Joubert)
Capa Meu Diário Textos Áudios E-books Fotos Perfil Livros à Venda Prêmios Livro de Visitas Contato Links
Textos

A ENTREVISTA QUE EU NÃO FIZ    

     Entre 1996 e 1999, juntamente com o poeta e jornalista Nélson Fachinelli, coordenador, e o professor César Ricardo Osório, fui produtor e apresentador do programa “Encontro Cultural”, da Casa do Poeta Rio-Grandense (Capori) na Rádio Educadora. O programa durou cerca de 14 anos, até que os interesses econômicos, para variar, falaram mais alto que a cultura.

    Nesse período, figuras marcantes da arte e da cultura do RS deixaram seu registro no programa. Entre elas, Dilan Camargo, Martin Coplas, Elton Saldanha, Délvio Oviedo, Fátima Gimenez, Demétrio Xavier, dois santos dos Santos, Joaquim Moncks, J.C. Cardoso Goulart, Davi Camargo, César Pereira e tantos outros, muitos associados da Capori e do Grêmio Literário Castro Alves ou de outras entidades culturais. 

    Esse período afirmativo do programa foi muito importante para mim como militante cultural. Nós, guerrilheiros desse setor tão aviltado pelas elites e seus governos, com honrosas exceções, sabemos que nossa luta é uma luta de resistência, defendendo espaços necessários contra a imbecilização que a classe dirigente e seus aparatos ideológicos querem impingir ao nosso povo. E acho que foi uma tarefa cumprida com dignidade. 

    Disso tudo, porém, ficou a tristeza de não ter feito o registro de uma entrevista com meu amigo, irmão, poeta e pesquisador Luiz Sérgio Metz, o Sérgio Jacaré, com quem eu dividia mesas do Bar do Beto e uma paixão atávica pela obra de Aureliano de Figueiredo Pinto, o qual lhe rendeu uma biografia editada pela Editora Tchê no início dos anos 80. 

    Não ter feito uma entrevista com alguém de mérito é algo compreensível nos dias de hoje, pela complexidade do dia a dia, que nos afasta, o que não deixa de ser lamentável. Contudo, essa entrevista com Sérgio Jacaré já estava marcada com antecedência. E, no dia estipulado, na hora marcada, ele compareceu aos estúdios da rádio, no Menino Deus, trazendo três discos do Tambo do Bando, que ele integrava como letrista. Quando chegou, apressado, ele me disse o seguinte:
— Landro, eu estou com muitas coisas para fazer na Secretaria da Cultura. Vamos marcar a entrevista para a semana que vem. Mas faz o seguinte: roda estes discos hoje e avisa os ouvintes. E toca esta música aqui, “Deixem seus olhos fixos”, que é uma das que eu mais gosto.

    Assim foi combinado. E assim ele virou-se e foi embora, para cumprir seus afazeres. Eu nunca imaginei que jamais o veria de novo, que nunca mais leria seus artigos, sua poesia intensa, sua prosa poética, seus manifestos geniais. Que numa mais o encontraria para ouvi-lo falar da pampa e de seus personagens, do significado misterioso do Sul, que cai na gente como orvalho na alma.

    Eu estive tão perto e tão distante de fazer o registro. E isso me exaspera. Como consolo, ficaram-me suas imagens derradeiras gravadas em vídeo por ocasião do lançamento de um de meus livros, realizado no Centro Municipal de Cultural, evento no qual ele ajudou-me com sua colaboração decidida. Estas imagens, inéditas, são um registro afetivo de uma amizade marcada pelo signo da esperança num novo tempo.

    Hoje, para retomá-lo como criador, resta sua obra, uma biografia sobre Aureliano, um livro de contos, o romance “Assim na terra”, de uma linguagem metafórica, seus artigos de jornal e a discografia do Tambo do Bando. Uma obra que, se tomada na quantidade, não é grande. Mas quem conhece a obra do escritor mexicano Juan Rulfo sabe que isso é o de menos.

    Em sua memória, porque é essencial manter viva a lembrança dos poetas, não para eles, mas para piedade de nós mesmos, eu escrevi um poema que homenageia uma cidade que, devido ao Festival da Barranca, do qual ele era assíduo frequentador, era uma de suas paixões. No final de “As luzes de São Borja”, há esta estrofe:
    “Sou andejo feito o pajé/Que ao seu mirante se forja/Sou Rillo, sou Jacaré/Mateando ao Sul, em São Borja.”

    Um mate com Sérgio Jacaré é uma ponchada que me daria gosto agora.

 

(Texto escrito em 2002 e reencontrado agora. Foto com Sérgio Jacaré, Martín Coplas e eu no lançamento do livro "Momentos literários do Brasil")

 

Jornal Nova Folha, Guaíba-RS, 28.4.2023.

 

Para ler o texto no PDF original do jornal, clique abaixo:

https://rl.art.br/arquivos/7778334.pdf

Landro Oviedo
Enviado por Landro Oviedo em 02/05/2023
Alterado em 28/11/2023
Comentários
Eventuais recebimentos